Sobre a vida, relacionamentos e solidão.
Entre todos os seus relacionamentos, o mais importante deles durou quase uma década de dor e turbulências. Era amor maltratado. Era esconder-se, negar-se. Era uma relação abusiva, sem autoestima e sem perspectivas de sorrisos largos. Para cada beijo, havia uma batalha.
Após o término dessa guerra amorosa, travaram-se outras. Então, ela intitulou que seu amor era “amor de quenga” e, assim, foi amando entre muitas aspas e debaixo de muitos cobertores. Com muitos contatinhos, foi se permitindo abrir pernas, viver novas experiências e outras aleatoriedades que a vida oferecia. Tornou-se amante, a amiga do sexo e dos desabafos, o conforto para homens sem nenhuma estrutura.
Ela ouviu todo tipo de explicação e/ou desculpa daqueles que só queriam objetificá-la. Por um momento, resolveu ceder. Fudeu-se. Não havia nada que fortalecesse laços tão frouxos. Começou a seguir o caminho do falar, expor e manifestar-se. Neste percurso, alguns entrelaçamentos faziam tudo ficar mais compreensível.
Essa mulher negra, de traços pouco marcantes e cabelos crespos fez, portanto, um traçado da sua história e sentiu na pele a solidão de estar com tantos e, ao mesmo tempo, sozinha. Compartilhando sua trajetória com outras mulheres, descobriu que, neste barco, ela não era a única a velejar. Por todas as suas vivências, concluiu que lhe faltava amor próprio.
Relacionamentos abusivos, sentimento de submissão, atitudes que não condiziam com a sua personalidade e vontade de se isolar. Conviver, há dez anos, com sua própria companhia e com participações especiais frustradas, além de perceber que tudo isso faz parte da história de grandes mulheres foi bastante doloroso.
Perceber-se dentro de um recorte específico também doía e saber que existem muitos outros recortes, que nos encaminham para a margem e nos dificultam o ato de ligar o foda-se, machucam ainda mais. É por isso que o coração se cala, as pernas se fecham e nem uma gotinha sequer escorrega entre suas coxas. Não há tesão em relações de supremacia. Não há fogo em lugares que você precisa nadar. Não há vontade onde seu único papel é se tornar um origami cuja funcionalidade é o prazer alheio.
Após tanto tempo no palco das emoções, às vezes o que a gente quer é aconchego, valorização que vai além da troca de prazer sexual. O que a gente quer é ter para onde voltar e com quem contar. É assistir filme juntos e dividir expectativas.
O terceiro mês de 2020 está chegando e diante de todas essas turbulências, você já se permitiu se proporcionar prazer por meio de uma siririca? Já conseguiu abrir as portas para mais uma participação especial? Já beijou na boca? Eu, sinceramente, quando tive vontade, lembrei daqueles que passaram em meu caminho e desisti. A vida, às vezes, dá uns belos socos e nos deixa cicatrizes que precisam de um tempo para ser curadas.
Lu Rosário
Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.
7 Comentários
Arlene
Texto excelente! Me senti representada em vários momentos da leitura. Consegui me enxergar e perceber que já passei por tudo, ou quase tudo, e senti por diversas vezes esse vazio emocional. Parabéns por mais esse belíssimo texto, Lú! Beijos
Lu Rosário
Saber dessa representatividade me deixa imensamente feliz porque, quando leio e escuto outras mulheres, é justamente isso que eu busco.Afinal, é isso que nos fortalece, né? Muito obrigada pelas suas palavras. Beijão!
Maíra Silva
Como não se ver em cada palavra, como não fechar os olhos e sentir q Lu escreveu esse texto pra mim, assim me senti ao me deparar c a realidade: minha, sua e de muitas. Parabéns Lu, texto maravilhoso.
Lu Rosário
Quando escrevi, não tinha dúvidas de que não estava sozinha. Muito obrigada, lindeza!
Tâmara
Poxa! Que texto incrível. Falou muito pra mim pq estou exatemente neste momento: toda doída das pancadas emocionais que venho levando por aí. Tô cansada, triste, meio desesperançosa quanto a um novo relacionamento, um parceiro com que saiba ser aconchego e parceria, amor e sexo, soma, cuidado, amizade (eu tô aqui pronta pra oferecer isso pra ele tbm!)… enfim…
Obrigada pelo texto rico e necessário.
Lu Rosário
Não estamos sozinhas NUNCA. A vida nos bate, mas também nos fortalece. Que sejamos cada vez mais empoderadas. Obrigada pelas palavras, sua linda!
ADNY
Esse texto é como um espelho que reflete um pouco de nós mulheres em algum momento de nossas vidas, principalmente para mim, foi muito significativo .