Sem Tabus

História de uma mulher negra

Eu sou uma mulher negra, mas eu não sabia disso.
Na escola, ensinaram-me que a população negra havia sido escrava. Não havia uma história anterior sobre os negros. Nunca falaram-me sobre as regiões de onde eles vinham nem sobre sua cultura, crenças, religião ou, até mesmo, sobre sua dor e muito menos sobre resistência.

Eu realmente não sabia que era uma mulher negra. Ensinaram-me que o Brasil era uma terra de mestiços e, entre mamelucos, caboclos e mulatos, eu estava entre um deles. Assim, intitulava-me mulata.

Eu não percebia, mas, entre todos os meus colegas de escola, poucos tinham a pele escura. Entre aqueles que tinham, a gente sentia aproximação, respeito e carinho. Ainda na escola, lápis de cor considerado cor de pele se referia àqueles de cor quase bege, ou seja, a minha cor não era cor de pele. Talvez eu tivesse nascido com “defeito de cor”. Quando saía com minha mãe, sempre perguntavam: “Sua filha? É adotada?”. Fui crescendo e surgiram outras perguntas: “Ela trabalha em sua casa?” ou “Você poderia chamar a dona da casa?”. Para as pessoas, com certeza eu ocupava o lugar da filha adotiva, da empregada doméstica, dos serviços gerais. Eu não tinha lugar de fala.

Na adolescência, sempre ficava de escanteio. Meu primeiro beijo, aos 18 anos (e até hoje sinto que foi porque eu era a única menina a voltar do rolê junto com um casal e ele). Meu primeiro e único relacionamento longo, com um rapaz cujo pai era claramente racista (eu sentia a dor, mas me negava a acreditar). Nas lojas, seguranças rondando. Vai que eu, negra, roubasse alguma coisa. No trabalho, difamações e, inclusive, umw “demissão”. Hoje, enxergo qual foi o principal motivo.

Assim, eu fui traçando a minha história dentro de uma sociedade estruturalmente racista e fui reconhecendo minha cor, minha ancestralidade. Hoje eu sei que sou negra e vivo uma luta imensa (que começa internamente). Eu sinto a dor por conta da minha melanina, dos meus cabelos, dos meus traços.

Eu sou uma mulher negra. Eu reconheço e tenho orgulho disso.

Jornalista. Baiana. Leonina. Feminista preta. Apaixonada por tudo o que diz respeito a sexo e sexualidade. Palavras e fotografias são suas taras.

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